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domingo, 6 de novembro de 2011

Skatista-Mestre Leonardo Brandão fala sobre seu primeiro livro

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Leonardo BrandãoCrédito da imagem: Arquivo pessoal
 "A CIDADE E A TRIBO SKATISTA"Foto: Divulgação
No Brasil (segundo a Confederação Brasileira de Skate), skatistas na faixa dos 30 aos 34 anos de idade se enquadram na categoria Master. Mas Mestres são poucos. Skatista desde 1989, nesse ano Leonardo Brandão lançou seu primeiro livro, "A CIDADE E A TRIBO SKATISTA: juventude, cotidiano e práticas corporais na história cultural", resultado da sua dissertação de mestrado. Bacharel e Licenciado em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Brandão foi professor do curso de História da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) durante os anos de 2007 e 2008, instituição onde também realizou o Mestrado em História que deu origem a este livro. Atualmente, com bolsa CNPq, ele se encontra em fase de Doutoramento pela PUC/SP.
Por email, ele contou um pouco do livro e suas referências.
Qual o público leitor do seu livro?O livro vendeu (e ainda está vendendo) para quem tem interesse em estudar o skate, quem cursa uma universidade ou faz alguma pós-graduação. Ele é fruto de uma dissertação de Mestrado. O que eu quero é fomentar a utilização do skate como assunto de pesquisa na universidade. Nesse sentido, lembro que o skate é uma prática de fronteiras fluídas, isto é, não tem como estudar o skate sem investigar inúmeros aspectos da cultura urbana, das manifestações juvenis, como o hip-hop, o hardcore, o punk etc. Skate é uma prática que se constituiu em intenso diálogo como outras atividades, por isso ele é considerado por muitos de seus praticantes como algo distinto de uma atividade esportiva, algo muito próximo ao que, segundo muitos skatistas, pode ser chamado de “estilo de vida”.
Quanto tempo levou para escrever o livro?A escrita desse livro durou dois anos, o tempo em que cursei o Mestrado. Mas minha tese de doutorado, que também é sobre skate, está sendo escrita em quatro anos e se concentra na discussão sobre o lado esportivo e o não esportivo do skate. Agora, para aqueles que gostam de ler sobre esse assunto, uma boa notícia é que eu e o pesquisador Tony Honorato, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), estamos trabalhando para lançar mais um livro sobre skate. Trata-se de um livro coletânea, intitulado “Skate & Skatistas: questões contemporâneas”, e que trará artigos tanto de pesquisadores nacionais quanto de estrangeiros. O livro já está pronto, estamos apenas negociando algumas questões com a editora. Se tudo der certo, ele será lançado no ano que vem.
The Skateboard BookFoto: Reprodução
Quais seus livros de skate favoritos e por quê?
No Brasil quase não temos livros publicados sobre skate, e isso representa uma lacuna que precisa ser preenchida. Evidentemente, o livro “A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil”, organizado por Eduardo Britto, é a principal referência. Só como curiosidade, este livro (hoje fora de catálogo) está para vender por 400 reais no Mercado Livre (acessei o site em 29/10/2011). Ainda bem que já tenho o meu, pois agora que o livro esgotou, o preço está bem salgado! Nos EUA, o meu preferido é o que comemora os primeiros 25 anos da revista Thrasher, chamado “Skate and Destroy”. Este livro faz um bom apanhado de imagens publicadas entre 1981 e 2005, trazendo também fotos com diversas “lendas” do skate estadunidense, como Steve Caballero, Mark Gonzales, Jay Adams, Tony Hawk e muitos outros. Ah! Não podemos esquecer que o brasileiro Bob Burnquist aparece na página 189, tendo sua história contada por Max Schaaf. Agora, se a questão é retroceder um pouco mais no tempo, o livro de Ben Davidson, intitulado “The Skateboard book”, publicado originalmente em 1979, traz inúmeras curiosidades sobre o skate praticado nos anos 60 e 70. Mas esses livros que citei não são livros acadêmicos, por isso é importante mencionar, para completar a lista, um trabalho que ainda não virou livro, mas que felizmente já tive a oportunidade de ler e gostei muito. Trata-se da dissertação de mestrado de Giancarlo Machado, defendida na USP neste ano de 2011, na área de Antropologia. Nela, Gian faz um excelente registro de campo sobre a relação entre diversos skatistas de rua e a cidade de São Paulo, enfatizando a questão da apropriação dos espaços urbanos. Inclusive, sei que esta pesquisa foi sugerida para publicação (no formato de livro) pela banca de professores que a examinou e aprovou. O que falta é alguma editora, ou mesmo alguma marca de skate, investir nesse trabalho para que ele seja lançado como um livro e assim completarmos um pouco mais dessa lacuna (ainda tão gritante) de publicações sobre skate no Brasil.
No Brasil não há skatistas escritores e redatores o suficiente para as mídias especializadas. Isso é cultural?Não sei se concordo com essa afirmação. Prefiro pensar que algumas mídias especializadas não investem na renovação de seus articulistas. Agora, existem mídias que contam com excelentes redatores e isso é indiscutível. A revista CemporcentoSKATE é um exemplo de qualidade há muitos anos. Alexandre Vianna, Marcelo Viegas, Douglas Prieto são caras escrevem muito bem sobre skate. Na mídia televisiva, a ESPN acertou a mão ao abordar o skate. Tanto o pessoal que produz o programa “Skate Paradise” quanto os apresentadores do “Planeta EXPN” tratam o skate com muita competência.
 "Skate and Destroy", da ThrasherFoto: Divulgação
Na época que você andava de skate com mais frequência, quais eram as suas leituras favoritas?Quando fazia graduação em história, um livro que me marcou muito foi “Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea”, da historiadora Denise Bernuzzi de Sant’Anna, que hoje, por sorte, é minha orientadora de doutorado. Mas nessa época comecei a ler dois filósofos que continuo lendo e relendo até hoje: Friedrich Nietzsche e Michel Foucault. Agora, para quem anda de skate e gosta de ler, há um livro muito instigante escrito pelo sociólogo Michel Maffesoli, que se chama: “Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas”. Acho que todo skatista deveria ler esse livro, pois sem dúvida rolaria uma identificação. Pois, afinal de contas, o skatista não é um nômade pós-moderno?
Você se lembra da primeira revista de skate que leu?Foi uma Thrasher que comprei no Paraguai no ano de 1989. Na capa havia um skatista dando um nose-pick numa mureta, uma das principais manobras de street da época. No Brasil, o Beto or Die acertava essa manobra muito bem! (Para quem quiser ver o Beto or Die andando, procure pelo filme “Grito da Rua: o vídeo”, apresentado por Eduardo Dardenne, o “Badeco”, e dirigido por Davilson Brasileiro).
Revista Skatin'Foto: Reprodução
Tem alguma edição de revista que você leu e te marcou?Sim, há muitas edições da Thrasher e da Transworld que foram marcantes, mas vamos ficar com as brasileiras! Olha, uma revista que me marcou muito foi aquela edição da Overall, de 1989, sobre os quartos dos skatistas. Aparecia o quarto do “Por quê”, do “Cabralha”, do “Mureta”, todos cheios de adesivos, discos, shapes etc. A revista inovou por trazer um pouco da “história da vida privada” desses skatistas, e aquilo foi marcante para muitos adolescentes como eu, que estavam começando a andar de skate. Mas nessa época muitas outras edições também foram marcantes.
Talvez uma das que mais me influenciou nessa relação do skate com a cidade tenha sido a Skatin’ de número 6, de junho/julho de 1989, período em que o skate ainda era proibido nas ruas de São Paulo. Na capa estava o Beto or Die dando um wallie num encosto de banco da Praça Roosevelt. A matéria principal chamava-se “estritamente street”, e tinha como subtítulo: “um modo especial de ver um mundo bastante conhecido: as ruas”. O texto era de autoria de Luiz Calado, e nele era transmitido muito da subjetividade do skatista de rua. Só para ilustrar, reproduzo aqui uma pequena parte do texto, que ilustrava um wallride fotografado por Daniel Bourqui. Dizia assim: “Seus olhos brilham vendo o que ninguém mais vê. Sua mente viaja no que ninguém mais imagina. Seu coração acredita no que ninguém mais crê. E seu corpo vibra com o que ninguém mais sente”. Pois é, parece poesia; e é mesmo. Aqui fica claro que o skate é mais do que um esporte, que ele é uma estética, uma forma de arte e manifestação corporal.
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